
Ana_matando o amor com faca pequenina e falta de música
Colei a caixa de música ao meu coração de pedra no dia em que te encontrei pela segunda vez.
Já não me lembro como aconteceu. O encontro. Sabes que não tenho memória. Nem para os detalhes nem para as coisas importantes. Sei que no bilhete de comboio da minha mãe, o de ida, a carruagem era a 21 e o lugar era o 32. Sei que comi uma sanduíche igual à do A, em Paris, antes de entrarmos na exposição de Modigliani, nos Jardins do Luxemburgo. Sei que quando eu pesava 41 a N pesava 26, tínhamos aí uns 11 ou 12 anos. Sei que te amei com toda a certeza, sempre em dias frios.
Talvez tu te lembres. Do encontro.
Eu apenas sei que antes o silêncio era oco e de repente, ao longe, o som da caixinha de música caiu dentro dele. Lembro-me do som da caixinha de música ter caído no vazio até que, bem lá no fundo, encontrou um montão de perguntas cheias de pó e, como nos anúncios do Fairy em que a gota verde repele imediatamente a gordura, a música feita de notas simples afastou as muitas perguntas, quase todas dúvidas.
Tento recordar-me do que aconteceu. Mas apenas tenho ideia de que o que aconteceu não foi mais do que o dia a dia. Não me piquei num fuso e dormi durante 100 anos. Não fiz nenhuma descoberta científica que evitasse a invasão do planeta. Não lutei com os serviços secretos do país inimigo e saí ilesa sem sequer um arranhão. Não me salvei depois de cinco dias à deriva no mar nem salvem ninguém que tenha passado pelo mesmo…
É por isso que a razão para me teres beijado pela segunda vez depois de tanto tempo não deve ter nada a ver comigo.
Tenho curiosidade. Sim. Gostava de saber.
Mas por agora gosto mais que estejas por aqui, mesmo sem razão dizível.